Por Camila Furtado | Coordenadora de Comunicação da Rede Abrigo

“Juliana* é uma adolescente extremamente madura para a idade dela. Entrou no sistema de acolhimento após ser abandonada pela mãe, que trocava de casa sempre que trocava de namorado. Em uma das trocas, Juliana foi deixada para trás, sozinha, na casa de um ex-namorado de sua mãe. Ela tinha apenas 14 anos.”

O carinho que Juliana recebe no abrigo em que está acolhida há mais de um ano é nítido na voz da assistente social que mediou nossa conversa. Juliana está no segundo ano do ensino médio e com ajuda do abrigo conseguiu junto à Vara da Infância uma autorização para realizar um de seus sonhos: fazer um curso de maquiagem.

“Eu amo maquiagem! Amo beleza e todo esse mundo. Gosto muito de aprender… E fico feliz de estar na escola e no curso de maquiagem. Também estou fazendo aulas online no SENAC sobre vendas e estocagem.”

Antes de ir para o abrigo, Juliana passou dois anos morando sozinha na casa do ex-namorado da mãe. O ex-padrasto permitiu que ela ficasse na casa sem pagar aluguel. Sua alimentação vinha da ajuda de uma vizinha e sua única fonte de renda era o que cobrava como “ingresso” para o uso de uma cama elástica que tinha.

“Nunca tinha imaginado como era um abrigo antes de vir pra cá. E quando me explicavam eu pensava que eram várias pessoas loucas… e é totalmente diferente do que eu achava.” Sua entrada em um abrigo trouxe para Juliana algo que ela não tinha em sua vida: acolhimento e apoio. “É muito acolhedor, as educadoras sempre nos ajudam… O diretor nos apoia o tempo todo. Não me incomoda de estar aqui, eu gosto! Eu continuo tendo um foco e sigo buscando-o. Mas eu gosto de estar aqui.”

Foi no acolhimento que Juliana teve permissão para ser apenas adolescente. Incentivada a focar em seus estudos, na busca de seus sonhos e é onde encontra auxílio para encarar os desafios que podem aparecer em sua a vida. Além dos cursos e da escola, Juliana é jovem aprendiz em uma farmácia local que tem parceria com o abrigo em que ela está.

“Vir para cá foi muito diferente. Eu morava sozinha e tudo mudou. Passei a ter horários, a precisar dar comunicados. Tenho que ser sempre gentil. Somos 13 meninas morando juntas… na maioria das vezes a convivência é tranquila. Mas tem dias e dias, né? As vezes estamos tristes, as vezes estressadas… Saber conviver em comunidade é importante. E aqui eu recebo apoio para construir minha vida adulta na hora certa.”

A realidade dos abrigos no Brasil está longe de ser ideal. A pandemia do COVID-19 nos forçou como sociedade a estarmos mais online do que nunca, mas, nem todos os abrigos estavam preparados para isso. 1 ano e 2 meses de pandemia depois, muitos deles seguem sem preparo para toda a demanda online que existe.

Em pesquisa recente lançada pelo Banco Mundial, estima-se que a pobreza de aprendizagem alcança 70% dos alunos do país. O impacto dos fechamentos das escolas durante a pandemia pode se estender por até 15 anos. No abrigo em que está, Juliana felizmente consegue bom acesso à internet para cumprir com toda sua carga escolar EAD. Porém, não possui um computador a disposição para utilizar, depende do celular da assistente social para assistir às aulas e ter acesso à suas tarefas. Uma realidade longe do ideal tanto para Juliana, quanto para a assistente social.

“Fico chateada por quem não tem acesso à internet. Aqui eu tenho! Fico preocupada com quem não tem acesso e não pode fazer tudo. Minhas aulas são online e todos os meus deveres chegam por um aplicativo da escola todos os dias.”

Com 17 anos completos, Juliana em breve precisará sair do abrigo ao completar sua maioridade. Com sua autonomia aflorada e com os incentivos educacionais que recebeu, se sente pronta para encarar a vida pós seu período no acolhimento.

“Eu fico um pouquinho ansiosa. Sei que tudo tem seu tempo, mas estou ansiosa para seguir minha vida. Eu quero ser independente, ter autonomia. Quero trabalhar com maquiagem e ter meu próprio dinheiro sem depender de alguém.”

Juliana abriu um sorriso quando perguntamos que mensagem ela gostaria de deixar para quem fosse ler um pouquinho mais sobre sua história.

“Coloco na minha cabeça que nada é impossível se temos um sonho. Mesmo que situações te desmotivem. Tenha fé, vai dar tudo certo!”

Juliana sonha. E nós sonhamos junto com ela. Sonhamos em um acolhimento que possa incentivar e apoiar todos os adolescentes da mesma maneira que Juliana foi apoiada.

Sonhamos por mais adolescentes que possuem sonhos.

*Nome modificado para preservar a identidade da adolescente.