Para crianças e adolescentes que sofreram algum tipo de violência e precisaram ser tiradas de suas famílias, a Cidade do Rio de Janeiro deveria ser um ponto de proteção e um refúgio. Porém, a verdade é que se tornou um palco horrendo de abusos e omissões chocantes.

Neste último fim de semana, a prisão do porteiro de um abrigo de adolescentes revelou a podridão que assola nossos abrigos. Esse funcionário, aliciando adolescentes acolhidas, é a face mais visível de um problema muito mais profundo e generalizado. A verdade é que a Cidade do Rio de Janeiro não está cuidando de suas crianças e adolescentes; está perpetuando a violência que já sofreram de maneiras inimagináveis.

Não nos enganemos quando a Prefeitura tenta se desvincular desse horror, argumentando que o funcionário é terceirizado. Qualquer pessoa que trabalha em um abrigo da Prefeitura, seja terceirizado ou não, representa a administração pública. Portanto, a responsabilidade é, inegavelmente, da Prefeitura. E como é possível que a Prefeitura coloque crianças e adolescentes sob seus cuidados, mas não se importe com a integridade e seleção criteriosa dos profissionais que estão em contato direto com essas crianças e adolescentes?

É hora de esclarecer que todos os funcionários de abrigos, sejam quais forem suas funções, são, antes de tudo, responsáveis por oferecer cuidado, apoio e proteção a essas crianças e adolescentes. E é inaceitável que a Prefeitura não tenha garantido que cada um deles seja devidamente treinado e supervisionado.

Além disso, se a Prefeitura tivesse cumprido sua promessa de adotar as diretrizes federais de 2009 para o cuidado de crianças e adolescentes em abrigos, muitos desses problemas poderiam ter sido evitados. O próprio conceito de porteiro em abrigos deixaria de existir.

É revoltante ver que esse abrigo em questão já havia sido exposto em 2019 pela mídia devido a condições deploráveis, como refluxo de esgoto e meninas sendo obrigadas a tomar banho com uma mangueira improvisada. E isso é apenas a ponta do iceberg. Nos últimos 10 anos, uma série de casos revoltantes chegou à mídia sobre abrigos da prefeitura: punição com choque elétrico em 2013, atrasos nos pagamentos em 2016, 2017, 2020 e 2021 a abrigos públicos e conveniados, e estruturas físicas insalubres, algo que inclusive permanece até os dias atuais. Estamos falando apenas dos casos que vieram à tona. Isso sem contar os diversos casos que nós da Rede Abrigo acompanhamos e não foram expostos ao público. E quantos outros horrores permanecem ainda ocultos?

A Prefeitura do Rio de Janeiro tem um gosto peculiar por espetáculos, mas o que vemos no cuidado a essas crianças e adolescentes não é um espetáculo digno, é um show de violações dos direitos humanos. Se a Prefeitura estivesse genuinamente comprometida com a proteção dessas crianças, essas graves violações nunca teriam ocorrido. A omissão da Prefeitura violenta essas crianças e adolescentes que estão debaixo dos seus cuidados todos os dias e essa violência precisa acabar.